sexta-feira, 24 de agosto de 2007

VIDA E MORTE DO PEQUENO PRÍNCIPE.


Depois de passado o tempo, tomei forças para pôr em palavras o que vem me incomodando. O que aconteceu é que vi a morte de um príncipe. Um que me cativou e fez com que minha vida ficasse cheia de sol. Não era grande este principezinho, era pequeno, ousado, responsável por um reino “que não é deste mundo”.
Era o “Amado”, o nosso Amado: O irmão Luiz Carolino. Padre, pastor de parte do rebanho Garcense. É urgente que seja dito o que sei a respeito desse principezinho. E não quero que o faça com pompas e honrarias, e sim na mais modesta simplicidade franciscana.
Talvez eu seja uma das pessoas que mais tenha o que escrever a respeito desse nosso confrade. Eu, que provenho de uma família católica, e que passei quase seis anos em Convento Franciscano, e que também me consagrei religiosamente a vida e Regra dos irmãos pobres de Assis; também fui o primeiro paroquiano a ver o corpo de nosso padre, serenamente deitado, ainda no leito do hospital, logo depois de sua alma abraçar a irmã morte.
Em parte sei o que frei Luiz vivia em sua vida pastoral; pois uma parcela de sua caminhada eu também já havia percorrido. Rezávamos as mesmas orações, tínhamos os mesmos superiores, observávamos os mesmos votos, estudávamos os mesmos livros; mas, ao mesmo tempo ele estava bem distante de mim. Era sacerdote, e amava profundamente este seu ministério. Diferente de mim, que não me adaptava a idéia de ser algum dia clérigo. Para mim, bastava-me a consagração religiosa, sendo que para ele o desejo de conduzir o povo como pastor era algo vibrante e tão intenso que a cada homilia deleitávamos com seu amor incondicional com cada um de nós.
Era o nosso “Amado”. Para alguns: carente, para outros: contundente, para outros ainda era demasiado em suas homilias. Mas era o nosso pastor. O nosso Amado. Nosso pequeno frade que não se cansava de enfeitar a Igreja para festas do Santo Natal, de Páscoa, Pentecostes. Quem nunca admirou o presépio dos franciscanos? Frei Luiz, em sua temporada , cá em Garça colorio nosso ponto turístico, nossa casa de irmãos, nossa casa de oração.
Mesmo demonstrando-se preocupado com o fato de ser como era; ele “era”. Era o diabético que comia pudins, era o doente mais despreocupado, o cansado mais ocupado. Era tão inconstante. E isso o mantinha vivo, e o mantém vivo em mim. Era um pouco do ‘agridoce’ da minha vida. Meu pequeno príncipe, filho de Grande Rei. Sacerdote pra sempre, segundo o rei. Integrante da nobre estirpe. Esposo da Igreja e da Pobreza.
E o que nisso me incomodava? O que me incomodava, era o que me inveja em poucas pessoas, em grandes santos, em raros nomes; o que nele me incomodava era o fato dele ser fiel em suas convicções. Era o fato dele ter descoberto que o “paraíso é ser perfeito”. Era o fato dele ser “Eternamente responsável” por aquilo que cativa. Essa nobre delicadeza diante da própria história, que causa em mim a ‘santa inveja’ das mais humanas possíveis.
Poderia escrever ainda sobre o funeral, sobre crônicas e reportagens que saíram a respeito do seu falecimento. No entanto, quero ser o mais subjetivo possível, e retratar o que senti quando o vi morto, ainda no leito do hospital.
Era por volta das 13h00, quando uma paroquiana chegou pra visitá-lo, mas já era tarde demais. Eu estava no segundo andar do Hospital São Lucas, meu local de trabalho, em horário de almoço. Fiquei pasmo diante da notícia. Fui até o quarto, onde ele se encontrava só. Ele morrera sozinho. Talvez, rezando uma prece. Serenamente.
Contemplava-o. Daquela fisionomia lia-se, o seu “Seja Bem-vinda, Irmã Morte!” Um silêncio sepulcral tomou conta daqueles instantes. Foi quando trocamos ele de leito. Arrumei seus pertences e desci para meu local de trabalho. Fiquei do jeito que só eu sei como fico: transcendentemente apático. E foi assim que fiquei, no velório, na missa de corpo presente. Como se tudo o que me passasse fosse um fragmento de uma realidade muito maior.
Aos poucos foram chegando ao hospital dezenas de fiéis, que se lamentavam a morte do cativante Luiz Carolino. Eu mesmo fui quem ligou para o frei Cláudio, logicamente depois passei a ligação para as enfermeiras responsáveis. Acreditava que eu poderia ser mais humano e sereno para aquele irmão desejoso de notícias.
O fato dele ter morrido sozinho, fixou em mim centenas de perguntas, pensamentos, que até hoje não consigo concluir. Desconfio intimamente que a solidão nos últimos instantes; representavam o mesmo abandono na cruz, que Jesus sentiu antes de entregar seu espírito as mãos de Deus.
E o fato de usar o livro de Saint-Exupery como inspiração pra essa crônica, não é a toa. Era pois o livro mais comentado pelo nosso amado “frei”. É pelo motivo de vê-lo como esse personagem, que apareceu de mansinho e que cativou nossa fé, amizade, compreensão. É pelo fato dele ter morrido de repente e do anseio que ele tinha pelo céu. É o fato dele saber que só o desconhecido espanta os homens, mas para quem o enfrenta ele cessa de ser desconhecido. “Louvado sejas meu Senhor pela irmã Morte corporal, da qual nenhum vivente pode escapar”.

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